Vejo jovens levianos, imersos em mundos incertos, sem objetivos e objetividade, repousando na inércia e na acomodação. Filhos e netos da Ditadura Militar, esses jovens foram criados sob a batuta do Poder, que impõe comandos de cima para baixo; e, isentados de compromisso por seus genitores – aterrorizados que foram pelo DOI-CODI. Esses jovens alienados vivem suas vidas saboreando as facilidades e o conforto propiciados pelo Capitalismo – como as telecomunicações, que os mantêm alheios em seus mundinhos, com ênfase à disseminação das tecnologias como os telefones celulares e a microinformática, que instituiu a rede mundial de comunicação: a Internet.
Até o dia 13 de junho do ano 2013 era este meu discurso em relação aos jovens do meu País. Nesse dia comecei a entender que aquela rede de comunicação que parecia imobilizar a geração atual foi o instrumento de mobilização que culminou numa das maiores manifestações populares já vistas pelo Brasil. A trama desenhada nas telas, e costurada via Internet, deu origem a uma bandeira gigante, que cobriu o País de Norte a Sul e de Leste a Oeste.
Lá na Era Collor o povo foi convidado pelo então Presidente para o proteger de uma CPI que investigaria atos de corrupção em seu Governo, e os jovens brasileiros surpreenderam a Nação ao tingirem de negro as ruas do País, bradando aos quatro cantos pelo Impeachment do demagogo.
Hoje, convidados pelo Governo para irem às ruas para compor “a maior arquibancada do Brasil”, prestigiando a (Copa das Confederações), os jovens saíram às ruas sim, mas, ao contrário do que esperavam os governantes, não para bradar gritos de gol, mas sim para integrar a “arqui bancada” de manifestações do Brasil. Sim, a intenção da grafia é esta mesmo. Arqui – no sentido de grandiosidade, de maior bancada. Uma bancada alicerçada no inconformismo e na não-aceitação da segregação social a que o povo brasileiro vem sendo submetido há décadas pelos sucessivos governos.
A juventude saiu do marasmo que dominava a geração de seus pais (daí eu afirmar – até o dia 13 – que os jovens da atualidade tinham a pecha de filhos da Ditadura). A nossa juventude deixou de ser coadjuvante para se tornar protagonista de uma nova história neste País, uma história cujas primeiras pinceladas sinalizam que estamos vendo renascer o mesmo sentimento de indignação e de busca de justiça que motivou a população mundial no ano de 1968, quando as injustiças sociais assolavam as classes mais pobres; a população mundial assistia estagnada ao massacre de vítimas inocentes na Guerra do Vietnã – protagonizado pelos EUA; e, no Brasil, o Governo Militar impunha ao povo os absurdos do AI-5, que aumentava o poder do Governo e validava a dureza imposta pelo regime militar.
O assassinato do estudante Edson Luis pelo regime ditatorial brasileiro naquele ano foi o estopim que lançou às ruas milhares de estudantes brasileiros, que deram início à marcha contra a repressão, conhecida como A Passeata dos cem mil. Vivemos duas décadas de repressão e derramamento de sangue, com o assassinato de contrários ao regime, acusados de desobediência civil, mas, graças à mobilização social, com importante participação de artistas brasileiros, chegamos à década de 80 com o claro objetivo de destituir do poder os militares.
Deu-se início, assim, ao movimento nacional “Diretas Já”. Mais uma vez os estudantes saíram às ruas do País, entoando nosso Hino, clamando por eleições diretas para Presidente. No dia 13 de abril de 1984, me fiz presente entre os 200 mil estudantes e populares que participaram de comício histórico na Praça XV, no Centro de Porto Alegre/RS, onde cursava Jornalismo – na Faculdade dos Meios de Comunicação da PUC.
Desse movimento brotou o processo de redemocratização do Brasil. Em 15 de janeiro de 1985, Tancredo Neves vencia as eleições para Presidente da República no Colégio Eleitoral, rompendo-se ali o elo da repressão, com o fim da Ditadura no País. Morto Tancredo, antes mesmo de assumir, José Sarney ocupa a cadeira de Presidente. E, em 1988, com a aprovação da Nova Constituição Federal, o poder de eleger os comandantes do Brasil retorna às mãos do povo, ato consolidado nas eleições de 1989, quando os brasileiros foram às urnas para escolher o novo Presidente do Brasil: Fernando Collor, destituído do cargo pelo Impeachment conquistado pelo mesmo povo que o elegeu.
Podem dizer que estou exagerando, mas, quero crer que meus conceitos estavam equivocados, e que os brasileirinhos de hoje vão reformular o Brasil. Apesar de não serem a maioria do País, esses cidadãos empunham com vigor a bandeira brasileira, rompendo com o conformismo que vinha marcando nossos dias até então.
Talvez ainda sem muita definição de como conduzir as reivindicações, eles pareçam perdidos em suas ações, mas, deixam claras suas intenções de implantar mudanças radicais na conduta dos governantes e parlamentares brasileiros. Que eles tenham sabedoria suficiente para encontrar o caminho que leve às conquistas, e não se deixem seduzir ou dissuadir por aproveitadores inescrupulosos, gerando lideranças suspeitas em meio à avidez por mudar o País.
Edson Luiz tinha 14 anos. Veio prá estudar no Rio, dum Estado lá do Norte, se não me engano do Acre. Para pagar as despesas, trabalhava no restaurante estudantíl, no bairrro do Calabouço. Numa refrega entre os milicos e os seus colegas “subversivos”, foi assassinado. Eu era presidente da União Isabelense dos Estudantes Secundários, a USIES. Fiquei puto da cara. Na prefeitura, redigi numa olivettona um manifesto de repúdio à violência e rodei no mimeógrafo a alcool, uns cinquenta exemplares. Num canto, uma tarja preta, como sinal de luto. Um professor – por já ter morrido, não digo o nome, dedo duro da Arena, queria porque queria me ver expulso da Escola. Na minha ficha num órgão de repressão, me inscreveram como comunista, redator de jornal que ridicularizava a milicagem e coisa e tal. Em 1969, trabalhava na prefeitura – chefe de gabinete/redator oficial do Marquinhos Vellozo. Fim do ano, me chamou no gabinete e disse que policiais federais tinham pegado no pé dele, por abrigar um comuna, subversivo na administração. Pedi a conta. Em 70, escrevi Mensagem Verde Amarela Para Uma Juventude Azul e Branco (O Bem-Te-Vi a decorou).e que li inteirinha, provocando lágrimas de centenas de moços e moças participantes dum Congresso do DSetor Jovem do MDB na ALEP. Em 74, por causa dela, a PF de Londrina me “buscou” em Sanza. Chato, gente, numa cidade onde a gente tinha sido criado, conhecido de todo mundo, ser enfiado numa Veraneio e ser exibido como troféu. Chato entrar num restaurante em Cruzeiro do Oeste para jantar e o agentes tirarem as algemas, bem à mesa, todo mundo te secando. Chato chegar na delegacia da PF em Londrina e um agente do tamanho dum coice de porco, abrir o portão duma garagem, num canto um monte de capim, colocar o pé na bunda gente e empurrar lá pro fundo: Amanhã a gente conversa, comunistinha de merda! Chato, muito chato, antes, em 72, nos dias prá apresentar documentos na diretoria dum colégio em Terra Roxa e não poder apresentar a certidão negativa da DOPS, conseguida sei lá como. Mas, toda a chatice sumiu, Silvana. Sumiu quando eu me via cercado nas multidões dos comícios das Diretas Já! Sumiu quando fui – eu e o finado Caio Perondi, ver a chegada do exílio, de Miguel Arraes no Recife. Sumiu quando fui receber Vitório Seratiuk também voltando do exílio, no aeroporto Afonso Pena. A chatice sumiu quando Ulysses Guimarães ergueu nas mãos um livrinho e disse: Eis a Constituição Cidadã! Sumiu quando a rapaziada lambuzou a cara de verde e amarelo e foi prás ruas pedir pro Collor se despir da faixa que tinha as mesmas cores. A chatice sumiu de todo, Silvana, a partir desse dia 13 de junho recém, esse mesmo 13 de junho quando você descobriu que a rapaziada tava “aprontando” outra coisa quando ficava dedilhando nos tablets, nos note-books, nos sms.
Estavam sim, arrombando a enorme porteira que separa o Brasil de Brasília, do Brasil dos brasileiros!
Quem defende que não adianta reclamar, não adianta ir às ruas, perde a chance de ficar calado. Depois da redução das passagens em várias cidades, a onda de protestos conseguiu mais uma vitória agora à noite: a Câmara dos Deputados derrubou, por 430 votos a nove (e duas abstenções), a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que impedia o Ministério Público de promover investigações criminais por conta própria. O texto da chamada PEC 37 deixa só a polícia encarregada de fazer investigações. Com a decisão da Câmara, a proposta será arquivada.
Resumindo toda a história em uma linha: Collor brigou com a Globo. Lula e Dilma, (ainda) não.
Edson Luiz tinha 14 anos. Veio prá estudar no Rio, dum Estado lá do Norte, se não me engano do Acre. Para pagar as despesas, trabalhava no restaurante estudantíl, no bairrro do Calabouço. Numa refrega entre os milicos e os seus colegas “subversivos”, foi assassinado. Eu era presidente da União Isabelense dos Estudantes Secundários, a USIES. Fiquei puto da cara. Na prefeitura, redigi numa olivettona um manifesto de repúdio à violência e rodei no mimeógrafo a alcool, uns cinquenta exemplares. Num canto, uma tarja preta, como sinal de luto. Um professor – por já ter morrido, não digo o nome, dedo duro da Arena, queria porque queria me ver expulso da Escola. Na minha ficha num órgão de repressão, me inscreveram como comunista, redator de jornal que ridicularizava a milicagem e coisa e tal. Em 1969, trabalhava na prefeitura – chefe de gabinete/redator oficial do Marquinhos Vellozo. Fim do ano, me chamou no gabinete e disse que policiais federais tinham pegado no pé dele, por abrigar um comuna, subversivo na administração. Pedi a conta. Em 70, escrevi Mensagem Verde Amarela Para Uma Juventude Azul e Branco (O Bem-Te-Vi a decorou).e que li inteirinha, provocando lágrimas de centenas de moços e moças participantes dum Congresso do DSetor Jovem do MDB na ALEP. Em 74, por causa dela, a PF de Londrina me “buscou” em Sanza. Chato, gente, numa cidade onde a gente tinha sido criado, conhecido de todo mundo, ser enfiado numa Veraneio e ser exibido como troféu. Chato entrar num restaurante em Cruzeiro do Oeste para jantar e o agentes tirarem as algemas, bem à mesa, todo mundo te secando. Chato chegar na delegacia da PF em Londrina e um agente do tamanho dum coice de porco, abrir o portão duma garagem, num canto um monte de capim, colocar o pé na bunda gente e empurrar lá pro fundo: Amanhã a gente conversa, comunistinha de merda! Chato, muito chato, antes, em 72, nos dias prá apresentar documentos na diretoria dum colégio em Terra Roxa e não poder apresentar a certidão negativa da DOPS, conseguida sei lá como. Mas, toda a chatice sumiu, Silvana. Sumiu quando eu me via cercado nas multidões dos comícios das Diretas Já! Sumiu quando fui – eu e o finado Caio Perondi, ver a chegada do exílio, de Miguel Arraes no Recife. Sumiu quando fui receber Vitório Seratiuk também voltando do exílio, no aeroporto Afonso Pena. A chatice sumiu quando Ulysses Guimarães ergueu nas mãos um livrinho e disse: Eis a Constituição Cidadã! Sumiu quando a rapaziada lambuzou a cara de verde e amarelo e foi prás ruas pedir pro Collor se despir da faixa que tinha as mesmas cores. A chatice sumiu de todo, Silvana, a partir desse dia 13 de junho recém, esse mesmo 13 de junho quando você descobriu que a rapaziada tava “aprontando” outra coisa quando ficava dedilhando nos tablets, nos note-books, nos sms.
Estavam sim, arrombando a enorme porteira que separa o Brasil de Brasília, do Brasil dos brasileiros!
Muito bom Silvana. E agora o povo já sabe o caminho das pedras. O Brasil nunca será o mesmo. Vai melhorar e muito.
Quem defende que não adianta reclamar, não adianta ir às ruas, perde a chance de ficar calado. Depois da redução das passagens em várias cidades, a onda de protestos conseguiu mais uma vitória agora à noite: a Câmara dos Deputados derrubou, por 430 votos a nove (e duas abstenções), a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que impedia o Ministério Público de promover investigações criminais por conta própria. O texto da chamada PEC 37 deixa só a polícia encarregada de fazer investigações. Com a decisão da Câmara, a proposta será arquivada.